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O Gambito da Rainha é um dos grandes sucessos da Netflix e é uma história muito importante para todas nós!
A cultura pop está repleta de histórias da busca obstinada de homens pela vitória. Quer seja no meio do futebol, em corridas de carro, atletismo, ringue de luta e por aí vai.
O fato é que existem milhares e milhares de filmes e histórias que retratam homens sacrificando tudo por um momento de glória – toda a nossa tradição de histórias foi criada com base nisso.
Mas o mesmo não acontece com as histórias das mulheres, que muitas vezes são deixadas em segundo plano, apoiando homens em suas próprias histórias e administrando silenciosamente o trabalho interminável para a conquista de tudo que parece estar fora do seu alcance.
Tudo isso é muito danoso para a nossa história, para o nosso legado e influencia direta e profundamente a maneira como nos enxergamos no mundo. Por conta disso, precisamos de mais histórias como o Gambito da Rainha.
Que mudança revigorante de ritmo é conhecer Beth Harmon (Anya Taylor-Joy, em uma performance incrível), uma menina órfã cuja obsessão obstinada com o jogo de xadrez a lança para o estrelato internacional. Baseado no romance de Walter Tevis, o drama da Netflix, O Gambito da Rainha, acompanha a jornada de Beth desde a sua infância trágica em Kentucky até a idade adulta no circuito competitivo de xadrez.
Abandonada, depois da morte da mãe, Beth é deixada aos cuidados de um orfanato no final da década de 1950, um lugar que prega uma vida cristã e submete suas crianças a tranquilizantes pesados. Isso desencadeia em Beth uma luta contra o vício em remédios que dura toda a sua vida, mas também apresenta a ela algo pelo qual se dedicar. Quando ela se depara com o zelador do orfanato, o Sr. Shaibel (Bill Camp), jogando xadrez, ela passa a rodear o homem até que ele a ensine ao menos o básico do jogo.

Shaibel rapidamente percebe que Beth tem talento e pode ser um prodígio do xadrez.
Então, passa a orientar a menina com tudo o que conhece e a coloca no caminho das competições.
E é aqui que a série criada por Scott Frank e Allan Scott faz algo muito improvável para a maioria de nós: tornar o xadrez emocionante. Em nenhum momento a história busca nos explicar as jogadas e nem mesmo o jogo, mas usam das emoções dos atores e, principalmente, o rosto extremamente expressivo de Taylor-Joy para transformar completamente as cenas, acompanhando cada passo de Beth em suas jornada em meio às competições, descrenças pelas quais teve que passar no começo e, sobretudo, a solidão de um caminho incerto.
Beth é colocada desde o início no lugar de “uma garota no mundo de um jogo masculino”, mas a série não se detém na política de gênero por muito tempo. É claro que essas questões permeiam toda a história, mas a trama consegue superar o debate e trazer mais complexidade para essas questões de forma que, assim que os outros jogadores testemunham o gênio de Beth em ação, eles logo passam a enxergá-la para além do gênero.
Beth desenvolve diversas relações ao longo da série, relações de amizade e amorosas, com o campeão estadual Harry Beltik (Harry Melling) e outro prodígio, Benny Watts (Thomas Brodie-Sangster).
Em inversão de paradigma, os homens em torno da protagonista se tornam coadjuvantes, quase que apenas dispositivos que fazem a narrativa de Beth avançar. Sobretudo, eles desempenham o papel de companheiros ao lado da grande heroína da história.

As relações entre as mulheres na série também são muito importantes, principalmente, a relação de Beth e sua irmã órfã Jolene (Moses Ingram) e Alma Wheatley (Marielle Heller), a mulher que adota Beth ainda criança.
Jolene aparece como uma “fada madrinha” para orientar Beth durante todo o período que esteve no orfanato e mais tarde quando já adultas. Alma, que é abandonada pelo marido, acaba construindo uma relação de cumplicidade com Beth e as duas passam a apoiar uma à outra ao longo da história.

Não estou dizendo que essas relações são perfeitas, mas é justamente essa imperfeição que faz da série uma história tão especial, justamente por ser mais próxima da realidade como a conhecemos.
Quanto ao restante do elenco de apoio, ele é fantástico, criando personagens ricos e intensos para nos ajudar a compreender a enigmática Beth.
Mas este é o show de Taylor-Joy do início ao fim, uma vitrine que a coloca no centro de uma interpretação dificílima que é entregue de forma exemplar. Taylor-Joy, que esteve em The Witch e Emma, recentemente foi anunciada como a jovem Furiosa no prequel de Mad Max e, ainda que todos nós amemos Charlize Theron no papel, não posso negar que estou muito animada para ver Taylor-Joy brilhar com seus olhos arregalados mais uma vez.
Em geral, a série é visualmente deslumbrante e dona de um figurino incrível, tanto que a produção impecável faz com que cada episódio parece ter sido feito para o cinema.
Com apenas 7 episódios, o Gambito da Rainha pode muito bem ser a melhor e mais ambiciosa produção original da Netflix até hoje. Um verdadeiro Xeque-mate!