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Eu sou um grande fã de basicamente qualquer coisa escrita sobre mulheres complicadas e contraditórias.
Phoebe Waller-Bridge
Leia ouvindo “you’re on own, kid”, da Taylor Swift.
Fleabag acompanha a história de uma mulher, com cerca de 30 – na segunda temporada ela tem 33.
Ela tem uma família problemática, está em luto pela morte da melhor amiga, está tentando administrar seu próprio negócio (um café com temática de porquinhos da índia) e, enquanto tudo isso acontece, ela navega por um emaranhado de relacionamentos insatisfatórios e masoquistas.
A série teve duas temporadas e, ao que tudo indica, vai parar por aí mesmo. A primeira temporada ganhou elogios da crítica e foi aclamada pelo público por sua honestidade emocional e por personagens que nem sempre foram agradáveis e, justamente por isso, é que conseguimos nos conectar tão imediatamente com Fleabag (vamos chamar a personagem principal desta forma, pois seu nome não é revelado).
Quando a segunda temporada chegou, não fez nada menos que elevar a franquia tão completamente que os riscos e a progressão de Phoebe Waller-Bridge eram tão impressionantes que só nos resta admirar.
Algumas coisas, em particular, tornam a série tão especial. Primeiro, vemos o recurso da “quebra da quarta parede” trabalhado de uma maneira fantástica.
Enquanto, na primeira temporada, a protagonista conversava com a gente como se fôssemos parte daquela história (mas isso não interferia no desenvolvimento do show), na segunda temporada, com a adição do personagem de Andrew Scott, o padre, vemos “uma quebra dentro da quebra”.
Me deixe explicar: é como se o padre percebesse esses momentos de ‘ausência’ da personagem de Phoebe. Quando ela comenta as cenas conosco e depois retorna à narrativa, ele se espanta e pergunta “onde você foi?”.
Além disso, o desenvolvimento da relação entre as irmãs Fleabag e Claire foi um dos pontos mais altos desta sequência.
Na primeira temporada, Claire era a irmã tensa, mas o foco estava claramente nas dores de Fleabag. Na segunda temporada, essa tensão foi explorada com uma construção em camadas e nuances que abordou as inseguranças de Claire e a maneira pela qual ela se distrai de seu marido verdadeiramente horrível, Martin (Brett Gelman, que foi brilhante em construir um personagem que odiamos profundamente).
O episódio de abertura da segunda temporada foi extremamente elogiado pela crítica ao redor do mundo, mas foi o terceiro que realmente se destacou. Como Waller-Bridge pode acumular tanto em 23 minutos é extraordinário.
A farsa de Fleabag derrubando e quebrando o troféu de vidro “que vale milhões” poucos segundos depois que Claire a instrui: “Não brinque com isso”. A corrida louca pelos marcos de Londres ao som da Orquestra Sinfônica de Moscou. As falas tipicamente peculiares: “Oh, eu amo abobrinhas. Você pode tratá-los de uma forma terrível e eles ainda crescem!”. A comédia social desajeitada e perfeitamente afinada do flerte entre Claire e… Klare. A explosão de raiva de Claire: “Você me faz sentir como se eu tivesse falhado”, mesmo ela preenchendo todos os requisitos do que é comumente aceito como “sucesso”.
Monólogo do episódio 3 da 2ª temporada de Fleabag
A segunda temporada de Fleabag também trouxe para nós um dos monólogos mais fortes já vistos na televisão. Scott Thomas fala sobre a dor das mulheres de forma hilária, precisa e muito verdadeira. Apenas leia:
Ouça, eu estava no avião outro dia e percebi, bem, digo, tenho desejado dizer isso em voz alta. As mulheres nascem com dor embutida.
É nosso destino físico. Cólicas, seios doloridos, parto, você sabe. Carregamos a dor dentro de nós durante nossas vidas. Homens não. Eles têm que procurar.
Inventam todos esses deuses e demônios e coisas só para que se sintam culpados por algo, o que também fazemos por conta própria.
E então eles criam guerras para que possam sentir as coisas e para se tocarem, e quando não há guerras eles podem jogar rugby. E nós temos tudo acontecendo aqui dentro.
Nós temos dores em um ciclo por anos e anos e anos e então, quando você sente que está fazendo as pazes com tudo isso, o que acontece? A menopausa vem. A porra da menopausa vem e é a coisa mais maravilhosa do mundo!
E sim, todo o seu pavimento pélvico desmorona e você fica muito gostosa e ninguém se importa, mas então você é livre. Não mais uma escrava, não mais uma máquina, com peças. Você é apenas uma ‘pessoa nos negócios’.”
“Oh, me disseram que é horrível.”
É horrível, mas é magnífico. Algo para se ansiar.
Scott Thomas
“De joelhos”, disse o Padre
Outra cena que incendiou as mídias sociais durante o lançamento da série foi a instrução do padre, no episódio quatro, para Fleabag: “Ajoelhe-se”. O que reduziu todos nós à luxúria em ruínas e a entrega aos desejos.
Porém, mais uma vez de forma eletrizante, a cena é interrompida pelos “recados de deus” com um quadro caindo ao chão.
O luto da protagonista em Fleabag
Um episódio inteiro foi dedicado à morte de da mãe de Claire e Fleabag, um assunto propositalmente evitado quase totalmente até aquele momento.
Waller-Bridge acertou em cheio ao retratar com humor ácido as contradições e complexidades do luto. Os elementos muitas vezes absurdos e incongruentes de funerais e velórios. As emoções inesperadas que surgem: o humor sobre o fato da protagonista estar radiantemente linda durante todo o funeral, a inclusão do namorado de Fleabag, exagerando sua conexão com a falecida, a conversa desconfortável e frustrada com de Fleabag com seu pai.
Além disso, a perda da melhor amiga, Boo, é um pouco melhor explorada nesta segunda temporada e conhecemos algumas outras camadas dessa relação.
Contudo, este ponto não foi totalmente concluído, mas como toda esta história, foi retratado de forma muito honesta e podemos entender que ainda é um assunto em construção e em vias de elaboração para a protagonista.
Olivia Colman, a madrasta
O que dizer de Olivia Colman? Ela é a madrasta. E, sim, ela é má, mas de um jeito incrível e nós amamos odiá-la.
Há uma espécie de relação passivo-agressiva entre as irmãs e a madrasta, o background entre elas é sutilmente delineado e vemos que a madrasta (também nunca nomeada) surgiu na vida do pai da protagonista antes mesmo da mãe dela vir a falecer. Inclusive, durante o episódio do funeral, vemos a madrasta rodear o pai e ele comenta “ela é meio irritante, não?”.
Daí, podemos imaginar a origem da tensão, que cresce a cada encontro.
No final da temporada, o discurso do Padre a respeito da natureza do amor é muito importante para o fechamento desta história.
O amor é horrível. É horrível, é doloroso, é assustador! Ele te faz duvidar e julgar a si mesmo. Ele te afasta das outras pessoas na sua vida. Torna você egoísta. Torna você assustador. Torna você obcecado com o cabelo. Torna você cruel. Faz você dizer e fazer coisas que nunca pensou que faria. É tudo o que queremos, e é um inferno quando conseguimos. Então, não me admira, que seja algo que ninguém queira fazer sozinho.
(…) É preciso força para saber o que é certo. E o amor não é algo para os fracos. Ser romântico requer muita esperança. Acho que o que querem dizer é: quando você acha alguém que ama, você sente esperança.
Pode ser que muita gente tenha ficado desapontada com o fato de Fleabag “não ter conseguido o que queria”, ou seja, o Padre (sim, ele escolheu a Deus). Porém, nós vimos o seu final feliz de um jeito brutal e (mais uma vez) real.
A personagem cresceu com as suas experiências. O romance com o Padre (e seu encontro com a terapeuta) chamaram Fleabag para enfrentar seus maiores medos, seus mecanismos de proteção e seus desvios, ajudando-a a superá-los.
Por fim, Fleabag é sobre a solidão, sobre encontrar tudo o que você precisa em si mesmo e sobre compartilhar a vida livremente com os outros. Por esse motivo, “you’re on own, kid”, da Taylor Swift, conversa muito bem com a série.
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Assista ao nosso vídeo sobre a série! Fique à vontade para compartilhar, deixar comentários e sugestões!