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Em Maid, a minissérie que está disponível na Netflix, Margaret Qualley é Alex, uma moça de 25 anos que tem uma filha de quase 3 anos, por quem ela é apaixonada, e está em um relacionamento abusivo com Sean (Nick Robinson).
Acredito que vale o alerta de que a série possa conter alguns gatilhos emocionais.
Na noite em que a história de Maid começa, Alex decide deixar o namorado após um dos episódios que ela considera mais críticos e um cruzamento de limites. Ela coloca a filha, Maddy (Rylea Nevaeh Whittet), na cadeirinha do carro e dirige em direção a uma vida que envolve esfregar vasos sanitários sujos, não ter quase dinheiro algum, lutar para encontrar uma creche, permanecer em abrigos ou apartamentos infestados por mofo, brigar pela custódia da filha e preencher formulário após formulário para conseguir algum auxílio governamental.
Fugir de um relacionamento abusivo, com uma criança pequena, sem nenhum apoio familiar ou financeiro, nem mesmo qualificação profissional que a permita buscar um trabalho que garanta seu sustento, não é um cenário nada fácil.
Nesse primeiro momento, Alex consegue ir para um abrigo de mulheres que sofrem violência doméstica, mas este é só o começo de uma jornada extremamente complicada e com muitos altos e baixos, mas cheia de força também.
Uma série diferente poderia ter transformado a história de Alex em um conto inspirador de persistência. É claro que encontramos alguns momentos assim em Maid, bem como toques de humor e alívios cômicos. Ainda assim, a minissérie se recusa a adoçar completamente essa história, mas sim busca retratar as nuances em seus personagens e as complexidades que todos eles apresentam.
A minissérie busca fugir de um retrato raso de ‘bonzinhos versus malvados’ sem se esquecer que, sim, existem atitudes detestáveis sendo retratadas ali. Até mesmo o retrato de Sean não é tão óbvio, uma das razões pelas quais é tão difícil para Alex inicialmente reconhecer a violência e o abuso pelo qual passou.
Entretanto, uma vez que esse reconhecimento vai se dando, não há como voltar atrás e não há redenção para os responsáveis.
Maid é uma criação de Molly Smith Metzler – que foi roteirista em Orange is The New Black – , inspirada nas memórias de Stephanie Land que também passou por tudo isso e relatou suas memórias no livro Maid, uma história muito bem resumida em ‘trabalho duro, pouco dinheiro’.
Maid significa ‘criada’ em português, ou faxineira, esse foi o único trabalho que Alex conseguiu.
Em diversas cenas ao longo da história, aparecem números na tela para ilustrar o cálculo de orçamento que Alex precisa fazer sempre que recebe algum dinheiro e precisa comprar algo para ela ou Maddy. Em uma sequência, Alex surge feliz deixando uma casa da qual acabou de receber US$50. Então, vemos um entregador com uma caixa que diz ‘ sapatos para Maddy’ e os US$50 se transformam em US$35,01, depois se tornam US$26,01, até que chega em um déficit de US$93,98.
É um recurso claro e eficiente para ilustrar algo que não pode ser ignorado: a energia e a preocupação de Alex que precisa sobreviver salário a salário.
O talento excepcional de Margaret Qualley

De todos os méritos da série, com toda certeza Margaret Qualley interpretando a Alex é um de seus principais triunfos. Sua atuação é tão focada, esforçada e determinada quanto a mulher que ela interpreta.
Qualley é filha de Andie MacDowell, atriz que interpreta Paula, sua mãe também na minissérie.
A atriz possui uma trajetória muito interessante. Ela foi bailarina no American Ballet Theatre, mas quando decidiu que seria também atriz, ela estudou na Real Academia de Artes Dramáticas em Londres.
Sobre o período em questão, Qualley revelou:
Escrevi para minha mãe dizendo: ‘Olha, acho que não quero mais ser dançarina, então vou parar de fazer balé e ficar aqui. Terei isso e essa renda semana que vem.’ Eu coloquei para fora de uma forma que ela não poderia negar, porque eu era muito organizada.
Mais recentemente, a atriz se destacou em A Substância, contracenando com Demi Moore.
Em Maid, Margareth fez um trabalho incrível ao lado de sua filha Maddy. Ela faz você acreditar na história dessa personagem tão poderosa e tão arquetípica de nossos tempos.
Alex é alguém que tem inúmeros obstáculos em seu caminho, o espectador é envolto nesse sofrimento ao mesmo tempo em que acredita que a cada dia ela encontrará forças para dar mais um passo adiante e, mesmo quando ela dá alguns passos em retrocesso – porque esse é um movimento comum de uma pessoa que está em busca de se libertar de um ciclo de abusos –, Alex não desiste e encontra fôlego para se reconstruir e partir esse ciclo que também é herdado de sua mãe.
O poder do encontro entre mulheres em Maid
Maid não se concentra apenas nas questões financeiras ou em todo o trabalho duro que Alex tem de desempenhar. É sobre buscar ajuda, conseguir ajuda e retribuir.
Não se trata apenas de uma história de libertação. É uma história de como a violência contra as mulheres é uma questão coletiva e para superar essa violência e essa visão distorcida de amor, são necessárias inúmeras iniciativas coletivas.
Aqui, a grande dificuldade é: como você se liberta daquilo que é só o que você conhece? Como é possível desenhar para si um outro plano de vida para além daquele que foi apresentado? A energia, determinação e persistência precisam ser enormes, além do acolhimento necessário para os momentos de falha.
Contudo, nem toda mulher que cruza o caminho de Alex é uma ajuda logo de cara.
Porém, quando a ajuda vem, ela se mostra em pessoas como Regina (Anika Noni Rose), uma cliente fria e arrogante que derrete o suficiente para se tornar uma aliada importante; Danielle (Aimee Carrero), uma jovem mãe que também está no abrigo para vítimas de violência doméstica e que, literalmente, coloca Alex de pé; e, Denise (BJ Harrison), a coordenadora do abrigo, uma mistura na medida entre amor duro e espírito gentil.

O relacionamento entre Alex e Paula, que está em negação a respeito de sua doença mental e pula de namorado em namorado, é um dos pilares da minissérie.
Paula é alegre e sem filtros, mas transforma suas frases acolhedoras em verdadeiras armas quando quer atingir sua filha. Ela mesma foi vítima de violência doméstica e encontrou forças para deixar o pai de Alex anos atrás, mas ainda não conseguiu quebrar o círculo de relacionamentos abusivos que insistem em diminuir a sua existência e capacidades criativas.
Mãe e filha são as piores inimigas e maiores defensoras uma da outra. Como em muitas camadas de Maid, nós não apenas observamos o que acontece com elas, mas sentimos como se estivéssemos juntos nessa relação.