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É possível que Tipos de Gentileza conquiste seu espaço com o tempo, à medida que amadurece em nossas mentes e na cultura, com sua abordagem vibrante e provocativamente desconfortável.
É possível que Tipos de Gentileza conquiste seu espaço com o tempo, à medida que amadurece em nossas mentes e na cultura, com sua abordagem vibrante e provocativamente desconfortável.
As três narrativas compartilham um elenco que inclui nomes já conhecidos no universo de Yorgos Lanthimos, como Margaret Qualley, Joe Alwyn, Willem Dafoe e Emma Stone — que recentemente conquistou seu segundo Oscar por Pobres Criaturas. O elenco também traz novos rostos para as produções do diretor, como Hong Chau, Mamoudou Athie e Jesse Plemons.

Cada um dos três capítulos de Tipos de Gentileza mergulha em uma crueldade surreal e em uma lógica bizarra da realidade, características já marcantes nos filmes anteriores de Lanthimos.
Jesse Plemons assume o papel principal na maior parte do filme. No primeiro episódio, ele interpreta um homem cujas decisões e movimentos são completamente ditados por seu chefe (Willem Dafoe), até que um evento inesperado rompe essa lógica. No segundo, ele vive um policial cuja esposa, uma pesquisadora marinha (Emma Stone), desaparece durante uma expedição em uma ilha deserta. Quando ela retorna, ele está convencido de que ela não é mais a mesma pessoa — literalmente. Por fim, no terceiro episódio, Plemons e Stone interpretam membros de um culto liderado pelos personagens de Dafoe e Hong Chau, que estão desesperadamente à procura de uma jovem destinada a se tornar a nova líder espiritual do grupo.
Cada episódio é envolto em um ar assustador e cômico, como naqueles filmes em que sabemos que o caos pode se instaurar a qualquer momento.
A violência e a crueldade desempenham um papel simbólico fundamental em Tipos de Gentileza, sendo frequentemente apresentadas não como uma negação da gentileza, mas como sua própria expressão.
Sem revelar muitos spoilers, os três episódios de Tipos de Gentileza provocam reflexões sobre como nos relacionamos com os outros e com a sociedade, explorando os limites que impomos — e os que acabamos ultrapassando. Nesse contexto, emergem dinâmicas de poder relacionadas a gênero, raça e classe, além de hierarquias em diferentes esferas, como amizades, família e ambiente de trabalho.
Esse mundo estranho exige e entrega performances intensamente excêntricas, e o elenco — especialmente Emma Stone — dá tudo de si.
Se em algum momento você achar que entendeu o que está acontecendo, apenas espere e preste atenção.
O filme convida o espectador a dissecá-lo, a “desmontá-lo” cena por cena. Cada uma das histórias tem seu próprio título e menciona um personagem chamado R.M.F. Ele aparece logo no início do primeiro episódio, mas os demais capítulos também trazem personagens cujos nomes e sobrenomes começam com R e F.
Afinal, quem é R.M.F.? Ele é a mesma pessoa nos três episódios? E, se for, o que isso significa para personagens tão distintos em cada parte do filme?
Se pequenos detalhes como esse são a chave para alguma interpretação mais profunda ou para a revelação de um mistério, ainda não cheguei a essa conclusão — mesmo após algumas tentativas.
No entanto, é importante lembrar que este não é um filme feito para ser decifrado como um quebra-cabeça, e sim um filme de Yorgos Lanthimos. Isso significa que ele traz consigo as marcas registradas do diretor: diálogos inexpressivos, quase robóticos, e cenários amplos, que parecem estranhamente vazios, quase sufocantes.
O medo da liberdade e o desejo por regras
O fio condutor de sua filmografia é um fascínio pela dinâmica brutal do poder que rege os relacionamentos humanos: entre pais e filhos, maridos e esposas, governantes e súditos, homens e mulheres. Seus personagens tendem a dizer exatamente o que pensam, sem rodeios, eliminando qualquer vestígio de sutileza ou convenção social. É como se Lanthimos estivesse tentando arrancar a pele e os músculos para expor o esqueleto da sociedade.
Algo que permeia os três episódios é o desejo explícito de dominar e ser dominado. Esse elemento abre diferentes possibilidades de leitura para Tipos de Gentileza, com destaque para o tema das escolhas diárias — desde o que vestimos, comemos e fazemos até a definição de quem queremos ser. Essas decisões, por menores que pareçam, podem nos lançar ao caos e à sobrecarga.
No subtexto, há também um questionamento sobre os perigos de uma liberdade sem limites. O filme sugere que, diante da incerteza e da responsabilidade que a liberdade impõe, pode surgir um desejo inconsciente de encontrar alguém que nos diga o que fazer.

Esse anseio fica evidente no primeiro e no terceiro episódio. No primeiro, o personagem de Jesse Plemons perde completamente o senso de identidade e realidade quando deixa de receber as instruções que norteavam sua rotina rigidamente cronometrada. No terceiro, um desdobramento semelhante ocorre quando a personagem de Emma Stone é rejeitada por seu culto por não ser considerada “pura o suficiente” para permanecer no grupo.
Esses exemplos reforçam a ideia de que, dentro da lógica do filme, qualquer desvio das expectativas impostas pode resultar em caos e loucura.
Tipos de Gentileza não entrega respostas fáceis, mas propõe um olhar ácido e desconcertante sobre a natureza humana. Entre absurdos e excentricidades, Lanthimos constrói uma narrativa que expõe o desconforto da liberdade, a rigidez das hierarquias e o preço de se desviar das regras. No fim, o filme nos deixa com a inquietante questão: será que realmente queremos ser livres, ou apenas encontrar alguém que nos diga como viver?
Onde assistir Tipos de Gentileza?
O filme Tipos de Gentileza está disponível para stream no Disney Plus.