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Pobres Criaturas não é um estudo sobre o feminino. Longe disso, é uma análise da masculinidade, que reflete sobre si mesma ao observar um outro que recusa as imposições que lhe são dadas.
A personagem central, Bella, vivida por Emma Stone, assume o papel desse “outro” que é observado e definido sob a perspectiva de um olhar masculino.
A própria morte de Bella e a “reencarnação” do cérebro de seu bebê em seu corpo podem simbolizar a negação e anulação de suas escolhas por alguém que se julga no direito de decidir por ela — seja sobre a vida, a morte, a autonomia ou qualquer outro aspecto de sua existência.
Antes de avançarmos na análise, vamos situar a história com uma breve sinopse.
O filme Pobres Criaturas
O filme de Yorgos Lanthimos é uma adaptação do romance de 1992 de Alasdair Gray, marcando sua segunda parceria cinematográfica com Emma Stone, após A Favorita.
Criativamente ousado, Pobres Criaturas é uma jornada selvagem, explosiva e fantástica, que procura explorar o que há de mais genuíno na experiência humana. Aqui, o termo “natural” é usado em seu sentido mais essencial, ligado à própria essência da natureza.

Impulsionado por uma atuação corajosa e fisicamente intensa de Emma Stone, o filme acompanha a jornada de Bella Baxter. Inicialmente apresentada como uma folha em branco – incluindo a dificuldade em se expressar verbalmente –, Bella embarca em uma trajetória autodidata de descoberta, transformando-se em alguém que vive segundo seus próprios desejos e anseios.
A narrativa se desenrola em um passado alternativo, uma era vitoriana gótica com toques de steampunk, em um mundo visualmente distorcido (literalmente, com o uso de lentes olho de peixe) pela desigualdade na distribuição de poder.
O filme transborda referências literárias e narrativas, evocando obras como Frankenstein, de Mary Shelley, e O Médico e o Monstro, de Robert Louis Stevenson. O papel de criador e guardião de Bella é assumido pelo excêntrico médico Godwin Baxter, interpretado por Willem Dafoe.
Chamado de “God” (Deus) por Bella, Godwin carrega cicatrizes grotescas no rosto e no corpo, resultado de experimentos perturbadores realizados por seu pai durante sua infância.
Quando Godwin recruta o estudante Max McCandles (Ramy Youssef) para documentar de perto o desenvolvimento acelerado de Bella, seu domínio da linguagem e compreensão do mundo crescem rapidamente.
Movida por uma curiosidade voraz e um desejo insaciável por conhecimento, Bella começa a questionar e explorar o mundo à sua volta. Ela aceita a oportunidade oferecida pelo advogado hedonista e bon vivant Duncan Wedderburn (Mark Ruffalo) para viajar pelo mundo. Sua jornada começa em Londres, passa por Lisboa, segue em um navio a vapor para Alexandria e culmina em um bordel em Paris.
Conforme os horizontes de Bella se expandem, a estética visual do filme acompanha sua transformação. O capítulo ambientado predominantemente na casa de Godwin é filmado em preto e branco, mas, à medida que Bella conquista autonomia e faz suas primeiras escolhas, as cenas se tornam mais coloridas, deslumbrantes, psicodélicas e deliberadamente excêntricas.

A leveza da liberdade de um viver autêntico
Imagine uma pessoa que nasce no corpo de uma mulher adulta – com aparência e biologia maduras –, mas sem nenhuma bagagem emocional, memória ou os traços moldados pelas amarras civilizatórias que definem a maioria de nós.
A partir da descoberta do prazer sexual, Bella desperta para um desejo insaciável de explorar o mundo. Mesmo estando prometida em casamento a Max, alguém que acredita ser um bom companheiro de vida, ela decide viajar pelo mundo com Duncan, um típico cafajeste.
Nessa jornada rumo ao desconhecido, Bella encontra tanto as maravilhas quanto as desilusões do mundo. Quanto mais se descobre e dá valor aos seus próprios desejos, mais se distancia de Duncan, que tenta manipulá-la com chantagens emocionais. Porém, esse recurso só funciona em quem sente culpa – um conceito que simplesmente não faz parte da existência de Bella.
Ao longo dessa trajetória fascinante, o filme disseca o que significa ser dona de si mesma. Cada etapa da jornada de Bella é cuidadosamente detalhada pela produção, que enriquece a narrativa com uma infinidade de referências culturais. Desde os clássicos de Georges Méliès até A Noiva de Frankenstein, passando por elementos do steampunk e pela atmosfera da era vitoriana, o longa é um banquete visual e narrativo.
Pobres Criaturas não é apenas uma história de autodescoberta; é uma celebração da liberdade e da autonomia. Bella se recusa a ser limitada pelas regras ou expectativas impostas por outros, e sua jornada é uma metáfora poderosa para a luta por autenticidade.
Yorgos Lanthimos, com sua abordagem única e visionária, entrega um filme que é, ao mesmo tempo, provocativo, esteticamente deslumbrante e repleto de significados – uma obra que convida o público a refletir sobre os limites da liberdade e os desafios de viver em total autenticidade.
Onde assistir Pobres Criaturas?
O filme Pobres Criaturas está disponível para stream no Disney Plus.