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Na sequência do aclamado filme estrelado por Chadwick Boseman, Pantera Negra: Wakanda Forever, o luto é um fator que se torna base para a construção de toda a narrativa.
Pantera Negra não foi como os outros filmes de herói da Marvel. Seu impacto, imediato, profundo e duradouro, foi cósmico. Isso, somado ao contexto de lançamento – durante os anos Trump, nos EUA, e ascensão de Bolsonaro, no Brasil -, quando a necessidade de histórias de resistência se fez mais latente, deu ao filme um aspecto essencial.
Prova disso é o caráter triplo de seu sucesso: comercial, crítico e cultural.
O Rei T’Challa foi um herói da nova em tempos incertos. Chadwick trouxe equilíbrio e carisma para a performance ao lado de um conjunto de estrelas que incluiu Lupita Nyong’o e Michael B. Jordan.
Pantera Negra: Wakanda Forever foi muito inteligente ao contornar a armadilha fácil da representação em uma indústria faminta por ‘significado’. Crédito para o diretor Ryan Coogler e o co-roteirista Joe Robert Cole, o filme foi mais do que o milagre de ser reconhecido, representou uma medida de progresso genuíno, em um cenário desalentador.
O luto inerente à Pantera Negra: Wakanda Forever
Algo completamente inesperado foi a morte de Boseman, em 2020. As franquias são construídas com base no poder inerente de suas estrelas e, sem Boseman, um dos mais brilhantes e promissores da Marvel, Pantera Negra: Wakanda Forever sofre com sua ausência e está envolto por uma tristeza impossível de ignorar.
Os filmes e séries do MCU raramente canalizam a turbulência do luto com um foco tão inabalável (WandaVision chegou perto em sua representação não convencional de mágoa conjugal e suas réplicas psicológicas).
O posicionamento é curioso, mas eficaz. Hesito em chamar Wakanda Forever de um novo tipo de blockbuster de super-heróis – não reinventou totalmente a roda – mas está perto. Coogler equipou sua sequência com um vocabulário alterado: fala tanto de um lugar de perda quanto de triunfo. Aqui, o luto é elemento catalisador para toda a história.
O rei está morto e os olhos do mundo estão voltados para Wakanda.
A rainha Ramonda (Angela Bassett) assumiu o trono e, no ano desde a morte de seu filho, fez o possível para manter a posição da nação africana como uma potência soberana.
A única nação conhecida por ter vibranium, o minério místico usado para criar armas e tecnologia de ponta – continua rica e se recusa a fornecer seus recursos a outras nações, justamente, por ter consciência do perigo que isso implicaria para toda a humanidade (em uma cena inicial, soldados franceses tentam roubar parte do minério e rapidamente são detidos por agentes disfarçados de Dora Milaje).
Então, o governo dos EUA inicia uma operação de rastreamento de vibranium no Oceano Atlântico, mas é misteriosamente frustrado por um poder desconhecido – o povo de Talokan, um império subaquático que abriga uma outra fonte de vibranium na Terra.
Namor (Tenoch Huerta Mejía) é seu líder e está empenhado em manter a existência de Talokan em segredo. Ele tem super poderes mutantes – força aumentada, regeneração aquática e vôo (graças às asas em seus tornozelos) – e comanda sua nação com uma mão meticulosa, embora enérgica. (Nos quadrinhos, Namor é conhecido como o Sub-Mariner e vem da Atlântida.)
A operação de mineração ameaça expor sua utopia oceânica, então ele elabora um plano para detê-la: matar o cientista genial que construiu o dispositivo de rastreamento de vibranium (Riri Williams, apresentando Ironheart ao MCU) e se aliar a Wakanda contra o mundo da superfície.
Contudo, Wakanda recusa a aliança. E as duas nações se encontram encarando uma guerra quase certa.
Vimos que uma ameaça de guerra não é tão persuasiva como o apetite implacável do governo dos EUA por influência global. Ou a raiva que Shuri (Letitia Wright) sente pela perda de seu irmão. Ou como a ira de Namor, se é que deve ser chamada assim, está enraizada em algum lugar mais profundo, em algum lugar mais humano. Ele é cortado do pano dos anti-heróis clássicos do MCU.
Como Wanda e Kang, Namor é um paradoxo e não tem sua ira injustificada. Muito pelo contrário, ele é o resultado de uma construção de anos e anos de opressão. Ele é descendente de uma tribo meso-americana do século 16 que fugiu da escravidão e foi forçado a encontrar refúgio debaixo d’água.
Já comentamos anteriormente que o luto é parte inerente à esta sequência de Pantera Negra e, ao longo da narrativa, vemos Ramonda e Shuri lidando com a perda de diferentes maneiras e fazendo o possível para lidar com uma dor inimaginável.
Acontece que, ao contrário do que o processo de luto exige, um filme de super herói propõe uma lógica narrativa do impulso, onde os diferentes personagens precisam se manter em movimento constante. Já o luto exige pausas.
Neste filme, vemos essas suas forças brigando para coexistir o tempo todo, o que, em diversos momentos, nos deixa confusos em relação ao que realmente está sendo transmitido ou em que emoção devemos pousar.
Entretanto, talvez este seja o real valor do filme, ele é honesto em mostrar a inadequação dos sentimentos, revelando sua vulnerabilidade.
Acompanhamos uma história épica, com diferentes enredos, por vezes dispersos e pouco aproveitados (sim, eu gostaria de ter visto mais cenas em Talokan).
Mas algo que não pude deixar de notar foi a construção de uma história de superação do luto com base nos laços que somos capazes de criar e fortalecer ao longo da vida, sobretudo, os laços entre as mulheres.