Share This Article
Os Fabelmans é um retrato da infância e amadurecimento de Steven Spielberg, sua relação com os pais e sua família e, sobretudo, sua paixão pelo cinema.
Falando desta forma até parece um documentário autobiográfico, mas não é.
O filme começa com uma cena deliciosa de Sam Fabelman (Mateo Zoryon Francis-DeFord) ainda criança na fila de um cinema para assistir a seu primeiro filme e ele está com muito receio, principalmente, “das pessoas gigantes” que seu pai disse que estariam na telona.
Claro que duas horas depois, ao final do filme, o menino sai completamente extasiado pela experiência e refletindo muito a respeito de uma cena específica da história: um trem que se choca com um carro.
Durante o Hanukkah, ele ganha um trem de presente e tenta reproduzir a cena da batida em casa, mas corre o risco de danificar o brinquedo novo. Depois de várias batidas e a repreensão do pai, a mãe do garoto sugere que ele grave o momento uma única vez para poder conferir a imagem sempre que quiser.
Nesse sentido e com esta cena de abertura vale dizer que Os Fabelmans é ao mesmo tempo uma revisão do passado, uma tentativa de compreender quem somos, como nos tornamos quem somos, como processar os eventos mais marcantes da nossa jornada e, também, uma grande declaração de amor ao cinema.
Tudo isso envolto em muita nostalgia. Aliás, um elemento que tem marcado muita presença nas produções dos últimos anos.
O filme entrega a história do cineasta antes dele se tornar o grande Spielberg, em um momento em que ele está buscando compreender sua paixão pela câmera e utilizar as ferramentas que estavam ao seu alcance para desenvolver as habilidades relacionadas à criação de filmes e histórias.
O enredo do longa vai além da paixão de Spielberg pelo cinema desde criança. Ele aborda também a importância dos pais em sua trajetória, de forma íntima.
Um dos elementos sintomáticos da utilização da câmera para apreensão da realidade revela também a capacidade do instrumento captar coisas que muitas vezes não estão visíveis aos olhos humanos e à nossa mente.
Enquanto Sammy (mais velho, interpretado por Gabriel LaBelle) está montando um vídeo com as imagens coletadas durante um acampamento em família com a companhia do melhor amigo do pai, Bennie Loewy (Seth Rogen), ele vai entendendo situações que estavam ocorrendo diante de seus olhos, mas que ele deixou escapar. (não vou me aprofundar muito aqui para não dar spoilers).
Esse momento é decisivo para o jovem Fabelman compreender o tamanho poder da ferramenta que ele tem em mãos e, ao mesmo tempo, trata-se de um episódio de transformação pessoal profunda.
Pela primeira vez, Sam entra em contato com uma ideia que também é reveladora para nós em determinado ponto da vida: os nossos pais não são apenas nossos pais, eles são pessoas inteiras, que experimentam a vida para além de nós.

Assim, Os Fabelmans é um filme que reúne elementos doces e amargos de um “passado dourado”, uma época que Spielberg ao lado do roteirista Tony Kushner, retrata de forma quase mágica e com muita potência, tanto nas cores, como no delineamento das personagens.
Sobretudo, é na justaposição de seu pai, Burt Fabelman (Paul Dano), e sua mãe, Mitzi Fabelman (Michelle Williams), como dois pólos de um mesmo espectro que Spielberg se forma. De um lado temos a racionalidade, a ciência e praticidade, e do outro, a arte, a liberdade e o impulso de viver plenamente. Em nenhum momento há um juízo de valor a respeito destes dois opostos. A história os apresenta para nós com toda a doçura e dificuldades que esses elementos podem trazer para a vida.
O final do filme é surpreendente e traz uma sequência divertidíssima.
Sam, já em seu primeiro emprego, tem um encontro com um diretor muito renomado de Hollywood (John Ford, interpretado por David Lynch) que o trata muito mal, mas entrega ao garoto uma dica-chave para suas futuras produções. Resumindo: cinema é arte, paixão e o compartilhamento de histórias. Mas é também técnica, habilidade e conhecimento.
O longa reúne episódios formadores da infância e adolescência de Steven Spielberg. Utiliza de um contexto nostálgico, que oscila entre doce e amargo, para contar a sua história ao mesmo tempo em que se apropria da narrativa, transformando-a em potência para toda a produção cinematográfica de um dos maiores diretores do mundo.