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Ainda Estou Aqui é um filme para mostrar que, nessa vida, tudo é questão de coragem.
Walter Salles não recria só a forma como as pessoas viviam no Brasil dos anos 1970, mas também retrata como um período terrível da história do nosso país estava escondido sob uma frágil película de ‘normalidade’.
Ainda Estou Aqui, filme inspirado no livro de Marcelo Rubens Paiva, conta a história de como a vida da família Paiva foi radicalmente transformada da noite para o dia. Literalmente.
Numa noite qualquer de 1970, agentes da inteligência do exército chegaram à casa dos Paiva, levaram o pai, Rubens Paiva (Selton Mello) e, desde então, ele nunca mais foi visto.
Essa é uma história que aconteceu com mais de 30 mil pessoas no período da ditadura militar. E isso é um eufemismo para falar das pessoas que foram torturadas, assassinadas e desovadas em algum lugar onde seus corpos nunca mais foram encontrados.
Ainda Estou Aqui é, principalmente, a história das dezenas de milhares de familiares e amigos que tiveram de lidar com um desaparecimento repentino como esse. O filme e a família Paiva são rodeados por uma sensação de que essas pessoas, de uma hora para outra, foram jogadas em uma vida à qual não pertencem, que nunca deveria ter acontecido.
O roteiro brilhante do Murilo Hauser e de Heitor Lorega começa nos fazendo apaixonar por Rubens, por seu senso de humor, expansividade, pelo carinho, por sua capacidade de se conectar com os filhos e pelo senso de família a ao mesmo tempo paixão por sua esposa, Eunice (Fernanda Torres).

A exploração do espaço da casa, repleta de vida, com a família Paiva e seus muitos amigos, é puro encanto e desencanto quando, no decorrer da história, vemos ela abandonada. Quase que assumindo ares de personagem que fica confuso ao perceber que está sendo deixado para trás.
No momento em que estamos rendidos aos encantos dessa família, Rubens desaparece e a história passa a ser uma história de Eunice. Primeiro, acompanhamos a perplexidade e a confusão de uma mulher que não pode demonstrar seus sentimentos porque seus filhos não sabem o que está acontecendo e porque os agentes da inteligência do exército continuam em sua casa dia após dia. Segundo, porque a sensação de que algo terrível aconteceu está sempre presente. Na sequência, as semanas terríveis que Eunice passa presa, sendo interrogada insistentemente sem ter notícias de nada e ninguém.
Quando a constatação de que Rubens não irá voltar se instalou, não há um roteiro claro a respeito do que deve ser feito a seguir, como contar aos filhos o que está acontecendo, como seguir em frente e estruturar a vida ou mesmo como permitir que cada um sofra a sua perda a seu tempo. Uma perda que não foi constatada. Uma perda silenciosa. Ou melhor, silenciada.
Em uma coletiva de imprensa, a Fernanda Torres comentou algo interessante sobre a Eunice: “A Eunice e o Brasil são sinônimos”.
É um período da história brasileira em que muitas coisas ficaram ocultas. Curioso notar que Eunice impõe esse mesmo silêncio aos seus filhos. Ou seja, em um determinado diálogo entre irmãos já adultos, eles conversam sobre quando perceberam que seu pai não iria mais voltar para casa e, com isso, vemos que foram em momentos muito distintos e trata-se de um assunto nunca antes abordado de forma explícita.
A atuação de Fernanda Torres é sensacional no sentido de que técnica, instinto e sentimentos se unem de maneira plena. A convicção de que, não só é muito importante relembrar o que aconteceu, retratar esse período de chumbo no Brasil, mas também dar um rosto para o que aconteceu, fazendo com que a gente se envolva, por meio da Eunice e do Rubens, com as mais de 30 mil pessoas desaparecidas durante o regime militar, exala ao longo de toda a produção.
A sequência final foi incluída por um motivo bastante claro: finalizar um ciclo e colocar frente a frente duas atrizes incríveis brasileiras – Fernanda e Fernanda Montenegro –, mostrando que, apesar de tudo, ainda estamos aqui.